Rants

Uma colectânea de factos duvidosos e inutilidades.

Porquê Os Chineses?

De tempos em tempos, deparo-me com um ou outro artigo de opinião que me faz levar as mãos à cabeça em descrença. O último de tais casos foi um artigo de João Paulo Vilas-Boas, Professor Catedrático de Educação Física na Universidade do Porto, no jornal Público, intitulado “Porquê os chineses? Porque não os portugueses?”. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, este artigo não versa sobre a venda da EDP a uma empresa pública do país da grande muralha. É, em vez disso, um exercício de compreensão sobre as razões pelas quais a China ganha muitas mais medalhas olímpicas do que Portugal.

Ora, eu pensei que o dito artigo se limitaria a um desculpabilizar dos esforços portugueses quando em comparação com uma potência mundial emergente com uma população desproporcionalmente maior e um regime político que desde o princípio colocou bastante ênfase no desporto como instrumento de integração e de propaganda. Muito me enganava eu: João Paulo Vilas-Boas não só não admitiu tão claro facto, como se deu ao luxo de o descartar por completo. Mas comecemos pelo princípio…

Logo no segundo parágrafo do artigo, encontramos uma afirmação de cariz dúbio:

Logo os chineses, que foram trazidos para o mundo moderno exactamente pelos navegadores portugueses… Porque será?

Primeiro, dizer que os portugueses trouxeram os chineses para o “mundo moderno” é quase tão absurdo como alegar que Vasco da Gama descobriu a Índia. Marco Polo chegou à China bem antes dos portugueses, e também outros menos conhecidos o fizeram. Não vou retirar ao meu país o crédito de ter promovido o contacto com regiões do globo há muito “esquecidas” pelos ocidentais e de ter descoberto (ou às vezes redescoberto) melhores formas de as alcançar, ou até noutros casos de serem os primeiros europeus a pisar o solo de mundos desconhecidos (como foi o caso do Brasil)… mas esta ideia de que Portugal levou a luz da modernidade a terras longínquas tem um leve odor a mofo. Até porque através da China veio o chá, a pólvora e muitas outras coisas sem as quais a nossa “modernidade” seria irreconhecível.

E continua…

Porque será que Portugal não consegue ser uma potência desportiva, a não ser esporadicamente ou em nichos muito particulares? Será que é por sermos pouquinhos? Mais pequeninos? Mais ocidentais?

Sim! Espera… “mais ocidentais”? Como se os americanos não se fartassem de ganhar medalhas?

Vamos lá ver. Fui à Wikipedia (juro que, ao contrário de muita gente nos media, já lá vou há muito tempo) e descobri que Portugal ganhou um total de 22 medalhas nas olimpíadas, enquanto a China perfez (à hora em que escrevo este artigo) o impressionante número de 385, ou seja, cerca de dezassete vezes mais. Facto curioso? A China tem 140 vezes a população portuguesa. Isso quer dizer, teoricamente, 140 vezes o número de atletas de nível olímpico e 140 vezes a probabilidade de ganhar uma medalha - isto sem contar que, como já referi, o estado Chinês promove o desporto como componente essencial do programa educativo. Dito assim, não parece que estejamos tão mal.

Não! Não é por sermos menos (quantos são os suíços, ou os holandeses e outros tantos?) e menos altos.

Citações? Factos? Eu pelo menos apresentei, acima, as minhas contas de merceeiro. Sim, podíamos ganhar mais medalhas, se nos dedicássemos mais a um ou dois desportos em particular. Não estou em desacordo nesse ponto, há países de dimensão compararável à nossa (Suíça e Holanda) que conseguem muito melhor. Mas é tudo uma questão de tradição e cultura: por aqui as pessoas gostam de futebol e acham a canoagem pouco interessante, ou a ginástica artística difícil de entender.

É esse o valor educativo do desporto! Foi esse o valor que alguém quis enaltecer com a modernidade (tardia) da Educação Física e o desporto escolar e foi esse valor que, aqui e ali, na escola e na família, foi comprometido pela tentação (“pós-modernista”?) dos facilitismos pedagogicistas então já fora de moda, disfarçados de uma quase séria “centração-no-aluno” e “protecção da criança”. É exactamente esse valor que o senhor ministro da Educação, ao invés de valorizar, quer agora arrumar de vez ao deixar “isso da ginástica” à consideração de cada escola e sem valor relevante na expressão final do empenho dos jovens.

Vamos ser claros: eu acho que deve haver desporto nas escolas - no entanto, este deve ser facultativo e obviamente sem avaliação. Ou como se pode avaliar a prestação de um aluno numa disciplina em que não se aprende? É possível “estudar” educação física? Pode ser que sim, mas não nos moldes em que ela existe nas escolas. Ou vamos mandar os meninos praticar cambalhotas em casa?

Temos é de corrigir desvios do esperado e continuar a lutar para que todas as famílias percebam que a educação desportiva dos filhos é muito mais do que o combate à obesidade; é a saga pela construção de homens a sério, já que a capacidade de dedicação, sofrimento, respeito e perseverança, necessários para se ser um ás, até na matemática, consegue-se também, ou sobretudo, pelo desporto!

Não vou negar que esta mentalidade de “mente sã em corpo são” possa ser verdadeira até certo ponto, mas no papel de ex-aluno cuja nota mais baixa era sempre a de educação física e que, reconhecidamente, nunca teve a menor vocação para o desporto, discordo em pleno deste raciocínio. Pelos padrões do Professor, a probabilidade de que eu seja, neste mesmo instante, um “homem a sério” (o que quer que isso queira dizer e não deve ser boa coisa porque se ficou por “homens” com minúscula) são reduzidas, até porque as minhas idas semanais ao ginásio se centram exclusivamente em evitar que me torne numa bola de gordura. Pouco idealista, se calhar… mas eu prefiro dizer que sou pragmático.

Que se invista na educação desportiva de forma séria e partilhada por todos e talvez possamos vir a ser “os chineses de amanhã”, no desporto e também na matemática (se possível sem o que de pejorativo esta imagem possa comportar para os mais chauvinistas).

Se calhar valia mais a pena investir em tornar o desporto mais acessível à população em geral, em vez de vir para os jornais propôr programas educativos dignos da ex-URSS. Ser bom a desporto ou a matemática tem muito mais de inato do que possa parecer, e embora o esforço e a perserverança ajudem, não fazem milagres. O que é preciso é dar a todos as condições para que possam desenvolver as suas aptidões naquilo em que são dotados e sobretudo no que os apaixona.